Chicão fatura “Ordem Virgulino Ferreira” com 50% dos votos
Por Ricardo Lugó
Na semana passada, o Chapeladas perguntou: que jogador mais merecia ter ganhado a “Ordem Virgulino Ferreira”, por sua valentia e destemor dentro das quatro linhas? O cabeça-de-área Chicão, que jogou pelo São Paulo nos anos 70 e chegou, inclusive, a defender a seleção brasileira na Copa de 78, foi escolhido o mais autêntico rei do cangaço por 50% dos internautas que votaram.
Abel Pancada, hoje em dia chamado de Abelão (treinador do Inter), zagueiro que nos anos 70 jogou pelo Vasco e pelo Fluminense e também foi um dos 22 selecionados por Cláudio Coutinho para a Copa de 78, chegou na segunda posição, com 25% dos votos.
Na semana passada, o Chapeladas perguntou: que jogador mais merecia ter ganhado a “Ordem Virgulino Ferreira”, por sua valentia e destemor dentro das quatro linhas? O cabeça-de-área Chicão, que jogou pelo São Paulo nos anos 70 e chegou, inclusive, a defender a seleção brasileira na Copa de 78, foi escolhido o mais autêntico rei do cangaço por 50% dos internautas que votaram.
Abel Pancada, hoje em dia chamado de Abelão (treinador do Inter), zagueiro que nos anos 70 jogou pelo Vasco e pelo Fluminense e também foi um dos 22 selecionados por Cláudio Coutinho para a Copa de 78, chegou na segunda posição, com 25% dos votos.
O encapetado Beijoca (Flamengo, Bahia, Catuense, etc.) e Orlando Fumaça (América de Rio Preto) terminaram com 16,5% e 8,5% dos votos, respectivamente. Por fim, Fontana (Vasco), zagueiro tricampeão mundial em 1970, não obteve nenhum voto.
A imagem de Chicão com gibão de couro, caninos de ouro, peixeira na cintura e olhar de poucos amigos povoa o imaginário popular até hoje, basicamente devido a sua performance em duas partidas. Em uma, saiu como vilão. Na outra, como herói. Nas duas, comportou-se da mesma maneira.
A primeira partida ocorreu em 5 de março de 78. Atlético Mineiro e São Paulo disputavam a final do Brasileirão de 77. Calendários caóticos e excessos de clubes impediam, muitas vezes, que o campeonato coubesse no ano a que se referia. Muitas vezes, para piorar, os campeonatos regionais e nacional se superpunham. Os times jogavam, na mesma semana, pelas duas competições. O campeonato de 77 não coube inteiro em 77. Sorrateiro, invadiu 78.
O Atlético era o franco favorito. Jogava no Mineirão e tinha um time considerado mais técnico, embora não pudesse contar com o habilidoso centroavante Reinaldo, suspenso com o terceiro cartão amarelo. O São Paulo era um time melhor treinado (tinha no comando Rubens Minelli, bicampeão brasileiro pelo Inter em 75 e 76) e também não podia contar com o seu artilheiro, Serginho Chulapa, que fora suspenso por 13 meses por chutar um bandeirinha em jogo contra o Botafogo de Ribeirão Preto, válido pelo mesmo campeonato.
O Galo ameaçava escalar Reinaldo assim mesmo. Poucas horas antes da partida, o São Paulo fretou um jatinho para levar Serginho ao Mineirão. Se Reinaldo entrasse em campo, Chulapa também entraria. O encarregado de acompanhar Serginho a Minas foi Muricy Ramalho, meia-direita do São Paulo que só não jogou a final por estar machucado. Muricy confidenciou a “operação” recentemente.
Minelli armou uma retranca impenetrável. Escalou quatro jogadores no meio-de-campo, o que era incomum na época (o esquema tático predominante era o 4-3-3) e escalou dois volantes, Chicão e Teodoro, o que também era raro (jogava-se habitualmente com apenas um volante). Na frente, apenas Mirandinha e Zé Sérgio.
O leitor que, porventura, não era nascido naquela época e fosse um atacante de dribles marotos e arrancadas fulminantes faria gracinhas na frente de uma dupla de volantes formada por um tal de Chicão e outro de Teodoro? Acrescente-se a isso o fato de o beque central chamar-se Tecão e o lateral-esquerdo Antenor. Minelli, como o pacifista leitor pode perceber, não estava para brincadeiras naquela tarde chuvosa.
Ironicamente, foi um meia com nome de tia especializada em fazer quitutes saborosos, Neca (havia substituído Viana), que em uma dividida com o meia Ângelo, do Galo, fraturou-lhe a perna. Chicão, próximo do lance, aproximou-se do jogador atleticano que se contorcia no chão e, ao invés de acudi-lo, pisou-lhe a perna machucada. Sequer levou o cartão amarelo de Arnaldo Cezar Coelho.
Foi uma patada de cima pra baixo. Dizem que, além de complementar o serviço de Neca, a pisada ainda abriu uma cratera no gramado, trincou todos os encanamentos que faziam a drenagem do Mineirão e provocou vibrações de 6,4 na Escala Richter de Belo Horizonte a Governador Valadares.
Dizem mais e pior: no dia seguinte, Vantuir e Teleco, operários encarregados de fazer os reparos nos encanamentos do Mineirão, calcularam mal o uso das soldas e aprofundaram a fissura esculpida por Chicão com cravos de chuteira, fissura que por sua vez atingiu calotas sedimentares até então imaculadas e virginais, fazendo com que parte do leste brasileiro se desprendesse do continente e ficasse navegando à deriva.
Dizem pior, pior, mil vezes pior: a notícia somente não viera a público porque vivíamos os últimos suspiros do governo Geisel e, para quem martelava a simbologia do “Brasil grande” e do “Brasil que vai pra frente”, não ficava bem informar que a pátria não somente ficara menor, mas que parte dela muito menos ia avante. Movimentava-se a esmo, ao sabor das correntezas do Atlântico. A reportagem não conseguiu encontrar o jornalista Elio Gaspari para confirmar estas informações.
Enfim, o fato é que a imagem da pisada foi mostrada várias vezes na televisão. João Saldanha esbravejava: “No Morumbi não nasce grama no círculo central, porque o Chicão, pelo São Paulo, e o Caçapava, pelo Corinthians, não param de dar carrinhos”. Todos os jornalistas criticaram a violência empregada no lance, embora os cronistas paulistas freqüentemente concedessem a Chicão a distinção de herói pelo desempenho na partida. Depois do goleiro Waldir Peres, Chicão foi, realmente, o grande nome do jogo.
A reviravolta
No dia 18/6/78, Cláudio Coutinho resolvera usar contra a Argentina, nas quartas-de-final da Copa de 78, o mesmo artifício que Minelli usara contra o Atlético. Na última hora, escalara Chicão no meio-de-campo ao lado do volante Batista, para que o primeiro marcasse individualmente o meia-atacante Kempes, goleador que foi o grande nome da Copa.
Kempes permaneceu os noventa minutos deitado. Quando esboçava levantar, Chicão o colocava a nocaute novamente. Foram dois tempos de bordoadas. Não quebrara a tíbia e a fíbula do argentino por sorte (ah, os românticos tempos em que a fíbula era chamada de perônio e a tuberculose era curada com ar fresco e sopa reforçada!).
No dia seguinte, a crônica era unânime: Chicão era um touro, um Hércules, um zeloso defensor da retaguarda da pátria, a fibra e a tenacidade de chuteiras, exemplo de garra e trabalho abnegado. E todos zombávamos dos hematomas de Kempes, impiedosamente.
Chicão, de fato, deu aos torcedores de uma seleção de desempenho pífio na competição a chance de jogar a responsabilidade pela eliminação no goleiro peruano Quiroga. É possível que, se não fosse o valente Chicão naquele jogo em Mar Del Plata, e um simples empate da Argentina contra o Peru já classificasse os donos da casa para a final.
No futebol, assim como na vida, alguém precisa fazer o trabalho sujo para que as coisas funcionem.

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